Carta a um amigo norte americano

Sobre duas crianças: uma americana e uma árabe



Querido Jhon,

Sei que você imagina o quanto lamento tudo o que ocorreu no seu país. Não me sai da cabeça a imagem do avião mergulhando no edifício, a explosão de fogo, o corpo que cai, o desabamento das torres, as ruinas. A minha incredulidade persiste. Embora as cenas mais violentas de guerras, de sangue, de seres humilhados, espancados, famintos, assassinados me sejam mostradas todos os dias, ainda me repugnam. Soube que você assistiu a tudo da janela da casa de seu filho, e também posso imaginar o que sentiu e está sentindo. Nós, escritores, pela própria natureza de nosso trabalho, gostamos de nos pôr no lugar do outro, para olhar o mundo com olhos diferentes. E fico imaginanddo se tudo tivesse ocorrido aqui no Brasil. Não sei se seríamos capazes de não sentir ódio. Sei apenas que somos diferentes de vocês. E não temos poder sobre o mundo. Isso nos livra de certas decisões e responsabilidades. Mas não nos livra de outras. Temos a sorte de nosso índios não serem vingativos, nem nossos negros, nem os paraguaios com quem travamos uma guerra absurdamente cruel; nem nossos pobres. Mas também temos nossas pequenas guerras por aqui. Também vivemos uma espécie de estado de terror, diante das desigualdades, da miséria e da violência.

Tenho duas crianças em minha vida que se torrnaram símbolos do momento que vivemos. Meu neto, Raphael, nasceu na América do Norte. É um menino de cabelos dourados, pele rosada, sorriso encantador e muito afetuoso. tenho-o visitado sempre, acompanho seu florescer, suas descobertas, seu crescimento. Sinto por ele o amor mais profundo e indestrutível. Raphael tem uma espécie de irmão, um menino que tem também nome de anjo, Miguel, e que hoje está com 7 anos; tive a sorte de tê-lo em meus braços, como se fosse sua segunda mãe, desde seus primeiros meses de vida. Miguel descende de Árabes (ou fenícios, segundo alguns libaneses se consideram), tem aquele nariz longo, os olhos amendoados e doces, um jeito tão diferente quanto você e eu, são iguais, são o mesmo ser, como você e eu. Você sabe do que eu estou falando, você que, tão branco e tão louro, tem netos negros. Você que misturou a África em seu sangue e a acolheu em seu coração. Você que ama tanto o Brasil. O que eu quero dizer é o quanto me preocupa que essas crianças possam ter ressentimentos, ou mesmo ódio entre si, por suas origens, pela história de seus povos. Isso não pode acontecer. A tolerância entre todas as culturas é a única saida para o mundo. A responsabilidade sobre o terror é extremamente complexa, ele tem muito de suas origens no desespero a que leva a exclusão social e a humilhação da identidade. E, me parece, tem seu âmago na questão entre Israel e Palestina. Mas espero, como alguém que tem uma vida de trabalho, digna e honrada, que os povos poderosos ajam de acordo com os princípios mais elevados da civilização que desejam defender.

Perguntei a meu filhom que é filho de imigrantes italianos, e vive na Califórnia, se não seria melhor vir passar um tempo aqui. Falei-lhe sobre o risco de novos atentados terroristas, do uso de arsenais nucleares. Ele me disse que ama o Brasil, e se nossa terra vier a correr algum perigo ele retornará. Mas foi para a América do Norte em busca de oportunidades de aperfeiçoamento e independência financeira. Queria uma vida mais segura, um lugar onde pudesse criar seus filhos sem medo. Conseguiu as suas oportunidades, aprroveitou-as. Agora não está mais seguro. Mas não se sentiria um homem de verdade se viesse a se reffugiar "como um mmedroso". Respeito-o hoje ainda mais, por sua atitude. O que posso fazer, então? Assino manifestos em favor da paz, converso com as pessoas, especialmente os jovens, sobre o problema, escrevo minhas impressões, e rezo. Rezo para que Deus, ou Alá, ou Buda, ou seja Ele quem for, nos proteja e ilumine. Tudo isso vai causar muito caro a todos nós.

por Ana Miranda, escritora, autora de Boca do Inferno e outros livros.

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